Declaração da Survival sobre o assassinato do indígena Guarani Kaiowá Vicente Vilhalva
17 novembro 2025
© Aty Guasu/Survival InternationalEnquanto os direitos territoriais indígenas estão sendo discutidos na COP 30 em Belém, no amanhecer do domingo (16), 20 pistoleiros invadiram e atacaram a comunidade Guarani Kaiowá de Pyelito Kue, no Mato Grosso do Sul, matando a liderança Vicente Fernandes Vilhalva e ferindo outros quatro indígenas.
A comunidade de Pyelito Kue recentemente retomou parte de seu território ancestral e desde então eles vêm sofrendo ataques. Durante o ataque no último domingo, os pistoleiros incendiaram e destruíram as casas e os pertences da comunidade.
Uma das lideranças de Pyelito Kue, falando anonimamente ao Repórter Brasil, disse: “Fomos cercados. Os pistoleiros não chegaram para conversar, já chegaram atirando. Não temos armas, não temos nenhuma chance de defesa. Recuamos e fomos até a aldeia, mas eles seguiram atirando fora da retomada, nas nossas casas. Queimaram tudo na retomada: os barracos, as panelas, as cadeiras.”
O ataque fatal — o quarto ataque violento contra a comunidade de Pyelito Kue nas últimas duas semanas — foi o mais recente episódio de uma série de agressões que os fazendeiros vêm cometendo contra os Guarani Kaiowá há décadas.
“Nós, povos indígenas Guarani e Kaiowá Aty Guasu repudiamos ataques ocorrido no Tekoha Pyuelito Kue que resultou no assassinato da liderança, Nossa luta é pela vida, pela terra e pelo Tekoha Guasu. Não aceitamos mais ser tratados como invasores em nossas próprias terras.”, afirmou a Aty Guasu em nota.
© Aty Guasu
Há décadas, a comunidade Guarani Kaiowá de Pyelito Kue e outras comunidades Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul foram violentamente expulsas de suas terras. Desde então, quase todo o território indígena foi ocupado pelo agronegócio, incluindo fazendas de gado. A resistência e as tentativas dos Guarani Kaiowá de recuperar suas terras são recebidas com ataques brutais e muitas vezes mortais.
Por mais de 10 anos, as famílias de Pyelito Kue foram forçadas a viver em uma área apertada de apenas 97 hectares, com pouco espaço para cultivar roças. No início de novembro, com a fome se tornando uma realidade, os indígenas retomaram outra parte de seu território na Terra Indígena Iguatemipeguá I. Este pedaço de terra, onde Vicente foi morto, é ocupado pela Fazenda Cachoeira, uma enorme fazenda de gado arrendada pela Agropecuária Santa Cruz e pela Agropecuária Guaxuma — empresas exportadoras de carne.
A FUNAI delimitou a área em 2013, um dos primeiros passos para a demarcação. No entanto, o processo está parado desde então – em clara violação às leis brasileiras e internacional, o que intensifica a violência contra os Guarani Kaiowá pelas mãos dos fazendeiros e da polícia militar, apoiados por políticos locais e pela impunidade. Um acordo oficial firmado entre o Ministério Público, a FUNAI e os Guarani Kaiowá em 2007, e as recentes promessas de demarcação de terras feitas pelo presidente Lula, não foram cumpridos.
De acordo com testemunhas, a polícia militar e membros do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) estiveram envolvidos neste último ataque.
“A Constituição Federal garante nossos direitos, e o Estado brasileiro tem o dever de proteger nossos povos.” afirma a nota da Aty Guasu.
“Pedimos o apoio da sociedade civil, organizações de direitos humanos, MPF, Funai e Defensoria Pública da União para acompanhar o caso e garantir a segurança das famílias Guarani e Kaiowá diante do clima de ódio e ameaças que se intensificam em Caarapó (MS).”
Caroline Pearce, diretora da Survival International, disse: “Há uma semana, em Belém, o presidente Lula reconheceu que as terras indígenas são fundamentais para combater as mudanças climáticas. Ele disse que “talvez” nem todas as terras indígenas tenham sido devidamente reconhecidas. A morte de Vicente é a dura realidade dessa falta de reconhecimento: os indígenas sendo expulsos, desapossados, privados de suas terras, de seus direitos, de seus meios de subsistência – de suas próprias vidas.
É obsceno que os Guarani Kaiowá — de Pyelito Kue e de outras comunidades — sejam baleados e mortos simplesmente por viverem em suas próprias casas, em suas terras ancestrais. O governo do Brasil deve concluir a demarcação das terras indígenas, proteger esses territórios e processar aqueles que os expulsaram e que continuam a aterrorizá-los.”
Notas aos editores:
- A Fazenda Cachoeira é apenas uma das 44 fazendas que se sobrepõe à Terra Indígena Iguatemipeguá I. O território de 41.714 hectares abrange muitas tekoha (terras ancestrais Guarani), incluindo a comunidade de Pyelito Kue.
- Em resposta aos ataques anteriores à comunidade de Pyelito Kue, em 2011 e 2016, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicitou medidas cautelares.
- Essa violência é a mais recente de uma série de ataques brutais contra comunidades Guarani Kaiowá. A comunidade de Guyra Roka — lar do falecido Ambrosio Vilhalva, estrela do filme “Terra Vermelha” — também já foi alvo de ataques, com pistoleiros contratados por fazendeiros e pela polícia militar ferindo várias indígenas com balas de borracha e gás lacrimogêneo, e destruindo suas casas.




